segunda-feira, 10 de junho de 2019

Fluxo

Estava por essas horas contemplando o horizonte. É que tinha dificuldade de dormir entre as 3 e as 4 - hora que andava solto o demônio - dizia a avó - e ele preferia mesmo era ver o sol rompendo o céu.
Dormia, então, até mais tarde ou até às 7, levantava sempre rápido e estava pronto. O pensamento já tinha acordado e era sempre mais rápido que ele. 
Sofreu com o desajuste de criança e adolescente - teimoso, agitado, raivoso, turrão, tristonho? Às vezes deixava tudo e se ausentava numa quietude desconcertante. 
~ Era Sumirê, a japonesa. A dama que se deitava dentro dele ou do seu lado - uns cabelos lisos e muito compridos - um olho da noite de estrelas. Um olhar que não dizia e uma voz que só se ouvia em certa frequência. 
Então, de súbito mulher madura, Sumirê, a feiticeira, queria dele, saber dele, o estar dele. 
- que muitas mãos e muitos braços. Não sou seu servo.
O metal, sempre o metal que poluía nascentes de rios era o que ele buscava. Então chorava a morte do rio - lágrimas claras e doces - e o rio que se refaz.

sexta-feira, 31 de maio de 2019

OPUS

[Rubedo é uma palavra em latim que significa avermelhado. Foi adotada pelos alquimistas para designar o quarto e último estado da alquimia: a iluminação.]



"Rubem: Significa “eis aqui um filho”, "aqui está o filho". Tem origem no hebraico Reubhén, formado a partir dos elementos reu, imperfeito do verbo ra'ah, que quer dizer “ele viu” e ben, que significa “filho”


Rubem acordou cedo demais. Não só naquele dia, no qual podia se ouvir o silêncio da rua, mas na vida mesmo. 


Desde o começo, Rubem gostava de se dizer assim, um fã inveterado da verdade nua e crua, um caçador de fantasmas que se resumem ao estalar da madeira de casas velhas, um desmistificador de papais noéis. Quer dizer, ele nunca sequer acreditara no bom velhinho. Quando criança - cresceu com o tio avô, aprendeu que o Natal é uma época boa para o comércio, para comer e só.


Não gostava de coisas infantis. Nascera sério, talvez com quarenta e dois anos de idade. Nasceu já vencendo e resistindo, pois teve o cordão umbilical enrolado ao pescoço. A mãe não sobreviveu ao parto. Hoje, biologicamente aos sessenta e sete, acordou cedo, mais cedo do que o necessário. 


Fez um café preto e tomou sem açúcar - precisava - estava obeso e a beira de um colapso nervoso. 


Olhou pela janela e de lá avistou o rabo de cavalo ruivo balançando a cada trotada. A vizinha, professora de yoga, thetahealer e massoterapeuta costumava acordar cedo para a corrida matinal.


Debochava dela, de tudo que ela fazia, das sacolas ecológicas ao cheiro de incenso. Debochava e a desejava ardentemente. 


Sendo um homem dos fatos e da razão, sabia que nada poderia fazer para acariciar aquelas costas tatuadas. Seu corpo não responderia.


A contragosto e com a desculpa do colapso de nervos e problemas cardíacos, marcou sua sessão particular de “auto-ajuda gourmet”.


E qual não foi sua surpresa quando descobriu que não haveriam toques naquela massagem, apenas olhos fechados e mãos estendidas. Entediou-se. A sala lilás, a maca branca, o som de sinos ao longe, o cheiro de almíscar e sândalo, a “transmissão de energia”, que seja, algo o transportou ao sono. 


Do azul escuro do seu mar interno, sentiu a remota sensação de uma corda que o sufocava. Pensou: “é o fim.”


Tudo em volta se fez luz e uma mulher alva lhe estendeu os braços amorosos. Ali, desmanchado em lágrimas, abraçou a mãe, que morreu parindo. Ali foi filho e muito amado.


Rubem deu o último suspiro sem que a moça da Yoga pudesse fazer nada. Era um velho safado, diriam. Morreu de emoção. Era um empresário impiedoso. Foi um sentimental.


Rubem “se fez”, fez fortuna do nada. Trabalhou sem cessar. Sentia falta de mãe.

quinta-feira, 30 de maio de 2019

Inspiração

Tenho aprendido a importância do respirar. Tenho encontrado, tenho perseguido esse espaço em mim, que só eu habito e eu é que sei das possibilidades. Quem, afinal, pode saber mais de mim do que eu?

A minha criança precisa respirar num campo verde, correr descalça e sentir o vento no rosto. Deitar na grama à noite e olhar estrelas.

Assim sei eu de mim mesma. Respiro, inspiro, recebo a inspiração.

domingo, 18 de setembro de 2016

sea shells

Caminho na beirada 
Meus pés estão cansados
Quem me dera o azul
Eu pudesse abraçar
A calma na alma
O seu canto bonito
Tenho agora uma concha
Pra que eu possa lembrar
Meus olhos ardem 
É água salgada
Não sei se é de lágrima
Ou se é a água do mar

quarta-feira, 1 de junho de 2016

apaziguai o dragão e Jorge será livre - Carlos Buby

Cânticos de suor e sangue cantam nossa caminhada
Banhamo-nos na dor com água salgada
A estrada é por vezes árida,  Por vezes só
Ainda assim caminhamos, peito honesto 
E uma chama brilha nossos olhos


O guerreiro desperta

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

A imagem que não era ela

Casaram e compraram um quadro lindo da Moça com Brinco de Pérola. Que moça linda, ele pensou, ele pensou. Que dirá o olhar dessa moça? Como pode a luz bater em seus lábios, que dirão seus lábios?

Amava o quadro, amava o quadro, amava o quadro.
A esposa arrumava armários. A esposa punha café na mesa. A esposa era ela, era ela mesma.

A moça do quadro falava com ele, falava, falava com ele:

-Por favor me tire do quadro.. por favor... meus olhos, minha boca.

Ele passava os dias encarando a moça.
Ela passava os dias, sendo ela, ela mesma.

sábado, 19 de setembro de 2015

A culpa vem de um lugar antigo
A culpa está pairando no tempo
Desde os tempos
Que eu não me lembro
A culpa me mostra um espelho
Em que me vejo vil

Eu preciso que alguém desenterre
Os segredos da minha pele
Eu preciso que alguém me prometa
Que da água parada e da lama cinzenta
Pode brotar uma flor