quinta-feira, 24 de junho de 2010

Aviso

Eis que encontrei feliz você.
Não, comigo nada bem.
Longa pausa e quis dizer que o que eu comia tinha um gosto estranho.
Tive aquela sensação de quem não se sente bem com tudo que come.
Mas não disse, joguei o restante no lixo.
Tossi, pois engoli rapidamente e não me acostumo com rapidez.
Quis expelir o que, enfim,
Não casava comigo.
Expeli coisa nenhuma.
Do contrário, uma ardência surgiu na garganta
Como se eu engolisse não saliva,
mas cacos de vidro. Estilhaços e pedaços de faca.
Então entendi, não foi a comida,
foi o seu sorriso.
No meu caminho de volta,
meus olhos arderam.
Quis chorar de tristeza.
Mas não chorei coisa nenhuma.
Avisei:
Vou ser feliz.
Sorri e pensei, "ser feliz...
nem que seja à força."



quarta-feira, 23 de junho de 2010

O silencio Arnaldo Antunes



O silêncio
Arnaldo Antunes / Carlinhos Brown - 1996

antes de existir computador existia tevê
antes de existir tevê existia luz elétrica
antes de existir luz elétrica existia bicicleta
antes de existir bicicleta existia enciclopédia
antes de existir enciclopédia existia alfabeto
antes de existir alfabeto existia a voz
antes de existir a voz existia o silêncio
o silêncio
foi a primeira coisa que existiu
um silêncio que ninguém ouviu
astro pelo céu em movimento
e o som do gelo derretendo
o barulho do cabelo em crescimento
e a música do vento
e a matéria em decomposição
a barriga digerindo o pão
explosão de semente sob o chão
diamante nascendo do carvão
homem pedra planta bicho flor
luz elétrica tevê computador
batedeira, liquidificador
vamos ouvir esse silêncio meu amor
amplificado no amplificador
do estetoscópio do doutor
no lado esquerdo do peito, esse tambor.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Alice

Pega-me.
Bebe-me.
Leva-me.
Cala-me.
Cega-me.
Fala-me.
Casa-me.
Goza-me.
Vira-me.
Toma-me.

Faz-me maior.
Faz-me menor.

Cura-me.

Amigas.

Um dia me perguntaram se eu tinha amigos.
Eu respondi, na época, que eu tinha poucos, mas bons.
Pois bem, continua assim.
Essa pessoa que me perguntou é uma das minhas grandes amigas. E é dessas amigas que eu vou falar hoje.
Sempre que me perguntam da beleza de alguém, eu hesito um pouco. Não sei dizer quem eu acho bonito ou feio. Minhas amigas, porém, sempre ficam mais bonitas.
Mas isso é muito mais por causa das almas. Cada uma tem um sopro diferente. Cada uma, uma grandeza de espírito. E a minha alma passa pelas delas.
Pode parecer clichê, mas essa beleza ultrapassa os atributos físicos.
E sim, essa beleza é a que dura.
Sinto se você que lê não chega nisso.
Sinto se a sua alma nunca passou pela de alguém, um seu amigo.
Acontece comigo.
Sinto saudades das minhas grandes amigas. Mas a vida leva a gente por tantos caminhos, que nos perdemos um pouco. A beleza que fica, porém, não se perde também, sabe.
Amigas, nunca vou saber responder se vocês estão desajeitadas ou feias. Para mim, vocês sempre vão ser lindas.


quinta-feira, 17 de junho de 2010

....

Não quero sair
quero morar nos seus olhos bondosos

Não quero acordar
quero, pequenina, dormir na sua mão

:(

domingo, 6 de junho de 2010

...

Sentada diante de tua graça senti um sumiço na minha garganta.
Como se os teus olhos fossem meu espelho,
E o teu espelho desse na minha alma,
Vi a mim mesma bebendo de uma garrafa
E na garrafa, uma marca,
Óleo do fígado do monstro
Que por pouco não nos devorara.