quinta-feira, 29 de abril de 2010

Sombra

Entraste,
sorrateira e bela,
pela porta de trás,
e me estendes a mão.
Não; não me peças tanto.
Por mais doces que sejam teus olhos,
e suave o teu perdão,
contigo não posso seguir.
Amiga Morte, sombra querida,
tu me chamas em vão.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Mas,

Era ela muito magra: umas canelas finas e umas argolas grandes enfiadas num vestido excessivamente florido.
Sorria o tempo todo.
A mão no queixo, as argolas acompanhando o balançar da cabeça.
Pensava que deveria ter feito as unhas para encontrar o desconhecido, pintado o cabelo, talvez. Pensava estar sendo uma outra mulher. Tinha sido pálida, tinha sido nervosa, tinha sido um pobre diabo. Mas agora não. Agora um homem a fazia rir enquanto bebia cerveja.
Por um momento, pensou poder ser ela mesma a cerveja: amarela, transparente e com bolinhas que explodem.
- Querido, se você pudesse ver minhas bolinhas, ainda estaria rindo?

(repostagem)

segunda-feira, 26 de abril de 2010

A mulher e o juízo.

Tudo aconteceu quando eu, sentada no chão do quarto, tentava juntar uns pedaços de carta que você tinha mandado. Ah, eu ouvi você dizendo. Você disse e disse alto: estava feliz.
No chão, eu ria das suas besteiras. Eu juntava os pedacinhos. Queria saber o que era mesmo que você escrevia antes de anunciar a todo mundo que tão bem sem mim você estava.
Meu juízo passou bem na minha frente e fechou a porta do quarto. Ele que não ia ficar em companhia de gente doida.
Aí eu já não conseguia juntar mais nada. No escuro, pensei em você. Naquele momento, eu quis, eu quis chamar seu nome e dizer que eu, ah, eu sim, ainda amava.

Diálogo que ouvi.

Disse que não sabia o que ia fazer quando morresse seu pai.

Saber, sabia. Enterrava. Não sabia o que sentia.

Alívio?

Uma leve pontada de vitória?

O peso do que seria o seu passado, quiçá seu destino, enterrado.

Medo? Vazio? Agonia? Dúvida?

Dor de cabeça? Palpitação? Dor de barriga, falta de ar?

Aí foi que alguém, com um pouco menos de alma:

Pois eu vou dizer o que vai acontecer quando seu pai morrer.

Meu amigo, você vai chorar.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

-Sabe, sonhei com uma coisa engraçada. Sonhei que eu era uma casa.

-É, uma casa. E todo dia de tardezinha vem uma senhora, coloca uma cadeira em frente e fica olhando o movimento. Há muito tempo que ela espera que algo ou alguém retorne e ela acredita que vai ser naquelas horas. Então ela senta lá e espera.

-É, mas não sei se ela mora lá. Dentro da casa tem uma garotinha, sabe? Ela, sei que mora lá. Chegou do colégio e ficou lá sozinha no quarto. Foi um dia difícil porque a professora perguntou algo, ela não sabia e caçoaram dela. Perto dela tem outra garotinha, mas essa é assim do tamanho de um carocinho de limão. E essa outra fala que vai ficar tudo bem.

-Se eu for mesmo essa casa, então faz sentido as minhas dores de cabeça: vai que estão trocando as telhas, né? E essas pessoas rodiando dentro de mim, ah, fazem efeito também né? Vai que alguém mexe na cozinha e eu tenho uma dor de barriga?

-Não, tô ficando doida não. Ei, ri de mim não. Ah, então tá. Fica aí rindo que eu vou aqui pegar meu ônibus. Tchau.

Wild Horses.

Hoje o "Wild Horses" completa um ano.
Uma pequena explicação: esse blog nasceu do início de uma crise de alma, que, como toda crise de alma,já disse a minha amiga Érica, é fundamentalmente uma crise religiosa. Dia 21 de abril de 2009, iniciei esse blog com um poema sobre Deus, de Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa.

Alberto Caeiro era o poeta das coisas simples, filósofo da vida comum. Do numinoso nas coisas mais simples e por isso mesmo, mais belas da natureza.

Alpha Eridani é uma estrela. Estrela de coloração azul, é a mais brilhante da constelação Eridanus. Uma referência ao Faetonte e o rio Erídano do mito que já postei aqui. O outro nome da estrela, Achernar, deriva da frase em árabe "Al Ahir al Nahr", que siginifa "O fim do rio". Claro, também é uma referência a Saint Exupery. Como o pequeno príncipe, eu quis morar em uma estrela.

Anteriormente, esse blog se chamava Moon River. Essa é uma música, cantada pela Audrey Hepburn, em Bonequinha de luxo. Ela diz "Moon river, wider than a mile, I'm crossing you in style someday...". Passado algum tempo, mudei para "Wild Horses", conhecida música dos Rolling Stones, já ela diz "Wild, wild horses, couldn't drag me away...". Entre outras coisas. Ah, e só agora me lembro: o primeiro título de todos foi "La solitudine". Estar só.

Não juntei essas referências de maneira intencional. Agora que penso nelas e no blog, procuro a linha que as mantém unidas num só sentido.
Sei que esse tempo tem sido um tempo de descobertas para mim. Esse blog é uma tentativa. Mais do que um refúgio, esse blog me serve de bússola e de mapa. Sim, desesperadamente eu quero voltar pra minha estrela. Destino: o fim do rio.

Essa pequena reflexão, encerro com um pedido à minha estrela:
Que sendo pessoa, eu continue tentando. Que no fim do rio, eu tenha paz. Que meus cavalos selvagens não me afastem do meu destino. Que a força que me mantém de pé continue a me guiar. Que no caminho eu saiba aproveitar e viver o que é vida.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Carta pra ele.

Ninguém jamais sonhou assim com você,e ninguém jamais passou por aqui. Mas os meus pés onde pisam fazem a terra tremer.
Debaixo da terra, um redomoinho não me diz o que quer de mim.

Eu sei, eu acho que eu vou conseguir. Não precisa ficar assustado. Não precisa ficar longe de mim. Eu tenho um coração e ele é meu. Não precisa ter medo de mim.

Eu sei que eu tenho medo da luz que há em mim. Eu sei que eu preciso alimentá-la de vez em quando. Acho que eu não tenho medo da luz em si, tenho medo de onde vou chegar. Será?

Com ou sem você, eu sei que eu vou conseguir. Eu acho que eu vou conseguir. Eu só precisava assim de um abraço, de vez em quando.

sábado, 17 de abril de 2010

(Pai. Deus está conosco. E ainda: Deus está comigo)

Alguém trocou meu nome e eu disse "tudo bem".

Mas trocassem meu nome e que eu não mais fosse o bebê zumbi!
Pois eu também fui uma promessa
de 7 anos de espera
com o peso dos meus irmãos não nascidos
(Renascidos em mim?)
Boneca, para o irmão que já estava...
Que de tão quieta na barriga
Assustava minha mãe. "está morta?"
Quando mostraram o mundo, provei:
Estou viva... Chorei...
E ainda provo.

......

Mesmo que às vezes inerte
(Quem sabe cadáver?)
Estou viva e respiro.
Abro os olhos
(Catatônica)
Mas atenta.

.......

Meu nome é pesado, bem sei.
Mas, "Ah! Ele é meu."
Contrariando-me, é comum.
(Assim como meu drama)



Moço,
se puder, não esqueça.

De mim. Do bebê zumbi.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Sobre a vida VI

"E tem o seguinte, meus senhores: não vamos enlouquecer, nem nos matar, nem desistir. Pelo contrario: vamos ficar ótimos e incomodar bastante ainda".

Caio Fernando Abreu

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Moça acanhada e simples, Margarida tinha um jeito muito pessoal de olhar para tudo. Virava os olhos de um lado e outro e sua boca morena, que não se abria nunca, dizia mais dela do que ela sabia.

Temia tudo o que via e sua boca se incomodava sempre.
Tentou trocar palavras com a pessoa ao lado, mas sua boca e seu corpo disseram o contrário, e assim Margarida cerrou os lábios.
O silêncio chegou na sala como convidado ilustre e desejável.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

queria uma chuva

Olhou na janela. Gotas pesadas molhavam o vidro. Uma corrente de água forte se formou perto da calçada. Arrastava folhas, arrastava o lixo, lavava tudo.
Queria uma chuva dessa dentro dela.

Mas o sol nasceu e avisou que era outro dia.

queria uma borracha

A moça pensou que queria ter uma borracha gigante e se apagar todinha. Todo traço que já foi sua vida. Todo rastro deixado por sapatos gastos. Todo cansaço. Todo sorriso incerto que só quis agradar. Todas as feridas que deixaram.

Quando procurassem por seu endereço, surpresa! Page not found.

domingo, 11 de abril de 2010

Príncipe das palavras

Tempos atrás, houve um príncipe. Príncipe das palavras, diante de Deus ele se calava. Tentou pensar em Deus, mas o ar ficou difícil, e comparou Deus ao vento. Então ele escreveu:

Posto que não sei falar de Deus,
resolvi falar do vento.
Muito que falo,
Diante de Deus mais me calo!
Escuto o vento.

Esse mesmo vento me impulsiona,
sopra meus cabelos.
Vento que dirige minhas velas,
vento que, então, me leva

Esse mesmo vento
que depois me deixa,
me devolve o fôlego.
Quando desfolha as flores,
espalhando as pétalas,
me falando delas no cheiro,
me lembrando delas no pólen.



vento, meu amigo, me leve. me sopre, ainda que baixinho. vento, senhor do meu pensamento, leve adiante meu barquinho.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Uma carta

Para você, minha amiga,

É que eu também não aprendi a viver. É que eu também não entendo como tendo querido, tendo sofrido, e tendo amado, se deixa de lado. Sinto como você: o que está em jogo sou eu.
Às vezes também esqueço que me alegro com ônibus vago, me alegro com comida, me alegro com o café e muito açúcar. O que é bom de saber é que esses pedaços também são vida.
Então, é verdade, eu realmente queria. Que você viesse comigo, mesmo que nesses pedaços de vida. Mesmo que fosse pra ver o mar.

terça-feira, 6 de abril de 2010

When you were young


When You Were Young

...
They say the devil's water, it ain't so sweet
You don't have to drink right now
But you can dip your feet
Every once in a little while

You sit there in your heartache
Waiting on some beautiful boy
To save you from your old ways
You play forgiveness
Watch it now- here he comes

He doesn't look a thing like Jesus
But he talks like a gentlemen
Like you imagined when you were young
When you were young

I said he doesn't look a thing like Jesus
He doesn't look a thing like Jesus
But more than you'll ever know

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Uma mulher

Esse texto representa um evento "premonitório" de hoje.



Era decidida, simples e séria. Agora se confundia toda com esse homem choroso e sua sensibilidade.
Ele chorava em filme! Mas que tolice de invenção era essa?
Saiu procurando por suas lágrimas. Havia tanto trabalho a fazer: era a roupa para lavar, era para arear as panelas... Lembrou-se do armário: as roupas empilhadas e mal colocadas cairiam quando alguém abrisse a porta. As crianças precisavam dela.
Mas choro que é bom, nada.
À noite, trabalhava em hospital. Dos pacientes, não conhecia o nome. Preferia dizer que no 307 alguém havia vomitado.
Sentiu-se ferida. Usurparam-lhe o título de sexo frágil.
Resignada, pendeu a cabeça, riu sozinha, e só para ela:
- Quem sabe não mando flores?

domingo, 4 de abril de 2010

Não sei que face apresento.
Aliás, escrevo porque me desconheço.
Escrevo tentando enxergar um espelho.

Ando sem voz,
Num deserto e no mar.
De herança,
o sangue nos pés,
as lágrimas nas mãos
e o sangue nos olhos.

Me encolho numa cama
que tem coisas demais,
e qual cãozinho, sinto falta de mãe...

sábado, 3 de abril de 2010

Ah, esse meu coração que só cresce
70 vezes sete,
quer guardar o mundo em mim.